sábado, 13 de outubro de 2018


A ESCOLA REPRODUTIVISTA E A EMANCIPADORA – DESAFIOS A SEREM SUPERADOS


                   Marina de Ávila Noronha

O presente texto, toma o atual cenário da educação brasileira como um problema que, efetivamente, ainda não promove a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio desta sociedade pluriétnica e multicultural, aonde não há, de forma efetiva, relações étnico-sociais positivas para a construção de uma nação democrática de fato.
São inegáveis os avanços na educação – acesso, qualidade e equidade – sendo que estes dois últimos, necessariamente, constituem problema, uma vez que o direito de aprender ainda precisa ser oportunizado para todos, considerando-se que tal desigualdade se encontra, comprovadamente, no aspecto racial.
A população afrodescendente está entre aqueles que mais enfrentam, cotidianamente, as várias facetas do preconceito – manifestações de racismo, de discriminação, de gênero e outros.
Tais processos discriminatórios operam no sistema de ensino, levando crianças, adolescentes, jovens e adultos negros a determinadas trajetórias educacionais bem distintas dos demais grupos, o que resulta, muitas vezes, em evasão e fracasso.
O dito explicita as competências a serem desenvolvidas por meio de conteúdo, material didático, atitudes e valores a serem estabelecidos pelas Instituições de ensino e seus professores, com apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades mantenedoras e coordenações pedagógicas.
             Historicamente, segundo Sonia Penin e Sofia Lerche Vieira, a escola cumpriu uma função social excludente. A partir do século XX, com os processos de industrialização e urbanização, a escola passa a representar a condição de modernização dos países. Em 1932, com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova a defesa de uma educação pública, gratuita e laica para todos os brasileiros, sendo que essa ampliação gerou também, muita improvisação.
           A Legislação passa a marcar o cenário da educação brasileira – século XVIII com a agricultura, segunda metade do século XVIII e XIX, com a Revolução Industrial – de mais tecnologia, urbanização – e também com a segunda metade do século XX – com a Era da Informação e a Sociedade do Conhecimento, uma constante atualização do conhecimento. A educação deveria seguir quatro pilares: aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser, somado a gestão escolar. Apesar dessa dita modernização, não houve a preocupação com o planejamento, infraestrutura, plano de aula, formação, etc.
Esta modernização, consolidou uma identidade a partir da produção de uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir conhecimento que revela, hodiernamente, um padrão mundial de poder – colonial/moderno, capitalista e eurocentrado – que emergindo da empresa colonial continuou capaz de controlar as dimensões de poder, ser e saber, a partir de uma classificação social racializada. Este tipo de classificação gera invisibilidade, marginalização e patologia de comunidades das “zonas periféricas”, – racializadas e colonizadas -  enriqueceu e enriquece com a consolidação frequente desta linha secular moderna. Estabeleceu-se, negando epistemologias e conhecimentos, o limitando-os. Precisa-se reconfigurar portanto, por parte do que é nosso.
Baseado nessa construção identitária, ao longo da história hegemônica, como um modo civilizatório – branco, europeu, dos grandes heróis, da história linear e universalizadora - a consciência decolonial vem para acarretar formas de conhecer, atuar e ser para somar o conhecimento histórico – de relação das coisas -, com a memória e a memória histórica, revelando, desmantelando e superando a linha moderno-colonial. Permitindo assim, a educação desempenhar um papel cada vez mais inclusivo, valorizando o sujeito como cidadão crítico da sociedade brasileira.
O apoio advindo da Lei, implica equidade, igualdade nos direitos civis e sociais, culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade – daquilo que difere negros de outros grupos da população brasileira - assim sendo, políticas de reparações voltadas para a educação dos negros, devem influir costumeiramente no educando e na cultura escolar. Esta demanda da comunidade afro-brasileira por reconhecimento, valorização e afirmação de direitos no que diz respeito a educação, precisa passar a ser não só apoiada mas aplicada.
Posto isso, a formação e pesquisa contínua permite repensar o modo como os contratos sociais de mulheres e homens se dão, – e como podem se romper – a prática da transdisciplinaridade decolonial, ou seja, a orientação e suspensão de métodos e disciplinas para decolonizar, des-segregar e des-generar o poder, o ser e o saber controlados pela colonialidade e referentes a consciência moderna. Trata-se da pedagogia como, disciplina que versa da educação e suas diferentes formas, como problemática educativa, sua totalidade e historicidade, seu movimento, como aborda o autor José Carlos Libaneo.
Desta maneira, a escola é um espaço físico concebido e direcionado ao aprendizado científico dos alunos – trata-se da teoria do conhecimento científico, o valor e os limites do conhecimento humano -, ou seja, diferente do aprendizado informal, o de senso comum. Tem-se interação com o processo histórico de desenvolvimento da sociedade. O rompimento com o saber experimental e o de imersão social. Em contrapartida, com a organização do espaço, tempo e agrupamentos na escola em que essa instituição, a partir de valores estabelecidos desempenha o papel de unificação cultural, linguística e política – fundamental também para a construção dos estados-nação modernos.
Segundo outro campo da ciência, a neurociência - para garantir uma educação que atenda a necessidade humana de aprender, transformar e superar as condições limitantes da vida em sociedade, construindo história e estando presente ativamente na concretização de ideais – é preciso despertar a emoção ao conteúdo, para promoção de curiosidade, atenção, foco na aula e no professor.
Para isso, a autora americana bell hooks em, “Ensinando a transgredir. A educação como prática de liberdade.” Expõe os processos de segregação racial americana em relação a educação e a escola, e aos educandos. Ela nos relata a época do apartheid – regime de segregação racial – onde, “para os negros, o lecionar – o educar – era fundamentalmente político, pois tinha raízes na luta antirracista. Com efeito, foi nas escolas de ensino fundamental, frequentadas somente por negros, que eu tive a experiência do aprendizado como revolução.”, vivências da teórica.
O estudar era um ato contra-hegemônico, de resistência por parte dos professores que apesar de não terem definidos termos teóricos praticavam uma pedagogia anticolonial. Este tipo de educação só era possível, pois os professores trabalhavam com e para os alunos, conheciam suas subjetividades – família, que igreja frequentava, etc. Possibilitando, a escola, ser um lugar onde se podia esquecer à noção, muitas vezes imposta, e reinventar-se através das ideias.
Essa relação de proximidade revela a importância dos conhecimentos prévios dos estudantes, que por não serem suficientes, precisam ser somados ao conteúdo/conhecimento do professor – sendo mediado por ele – e desempenhando uma troca social. Esse conhecimento prévio, também serve para compreender nossa história, do país, da nossa localidade dentro da sala de aula.
Correlato a isso, com o fim do apartheid, essa transição de escolas exclusivamente negras para escolas brancas, onde o estudante negro era visto como um penetra mostrou-se a diferença entre educação que trabalha para reforçar a dominação e a educação como prática da liberdade. Onde o conhecimento passou a se resumir a informação. Época em que desegregar a sociedade racializada, era realizada apenas por parte dos estudantes negros. Que acordavam horas antes dos alunos brancos, atravessavam a cidade e esperavam a chegada dos mesmos, nos pátios escolares.
O que se esperava desses alunos negros era a obediência, não o desejo de aprender. Inclusive, essa ânsia por aprender era vista como ameaça à autoridade branca. Onde os professores brancos, davam aulas que reforçavam os estereótipos racistas. Para uma parte da população, a escola já não era mais um ambiente libertador e acolhedor.
De um lado, uma Instituição de Sequestro abordada por Nardowski com a “Pedagogização da infância” em que abrange a disciplina escolar, a hierarquia, a ordem e a vigilância, enquadrando a escola e quem faz parte dela. E de outro, a escola emancipadora com a entrada e mais que isso, o reconhecimento e valorização verdadeira de outros membros, sujeitos da história – mulheres, negros, lgbts. Gerando entusiasmo dentro do ambiente escolar. Unindo a isto, a voz engajada do professor não deve ser fixa ou absoluta, precisa mudar de acordo com a sociedade e seu tempo.
A transformação de uma sala de aula, onde a maioria dos alunos é branco é um desafio tão grande quanto o de ensinar bem em um contexto de diversidade, mas que possamos dizer mais sim ao estudante e a qualidade na educação.

REFERÊNCIAS
BERUTTI, Flávio & MARQUES, Adhemar. Ensinar e Aprender História. Belo Horizonte: RJ, 2009;
NARDOWSKI, Mariano. Infância e Poder: conformação da Pedagogia Moderna. Bragança Paulista: Ed. da Universidade São Francisco, 2001. Coleção estudos CDAPH. Série Historiografia).
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade. SP: ED. WMF Martins Fontes, 2013.
PENIN, Sonia T. Sousa; VIEIRA, Sofia Lerche. Refletindo sobre a função social da escola. In: VIEIRA, Sofia Lerche (org.) Gestão da Escola. Desafios a enfrentar. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. (Biblioteca ANPAE) p. 13 a 45.  -CF/88 - arts. 205 e 206 e da LDB/96 - arts. 1º a 3º e 12.                                                                                                                                                 
LIBANEO, José Carlos. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.       

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