Manuela Vitória Sacramento Martins
Na Constituição Federal de
1988, temos no artigo 205 que a educação, enquanto um direito de todos, visa o
“pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.” No artigo 207, que diz respeito
exclusivamente às universidades, é estabelecido que estas devem obedecer “ao
princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.” Sendo
extensão a função social da universidade, ela se estabelece como a articulação
do conhecimento científico advindo do ensino e pesquisa com as necessidades da
comunidade na qual a instituição se insere, visando transformar a realidade e
promover o desenvolvimento social. Esses dois artigos nos levam à conclusão de
que a principal função da educação, tendo como as duas instituições principais
a escola e a universidade, está relacionada fundamentalmente ao desenvolvimento
crítico dos indivíduos em relação à sua realidade, visando transformá-la.
Isso nos leva a
refletir se esse objetivo da educação tem sido alcançado no Brasil de maneira
satisfatória, e de acordo com todas as discussões e estudos realizados em sala,
chegamos à uma resposta negativa. Vimos, baseados em leituras críticas e debates,
que a educação, principalmente nas escolas, tem se tornado cada vez mais uma
importante peça do quebra-cabeça neoliberal, atendendo às demandas do mercado e
não auxiliando os alunos a tornarem-se críticos em relação a seu contexto, sua
vivência e a si mesmo, e sim uma educação conteudista que visa resultados em
vestibular ou oferecer mão de obra para o mercado de trabalho. Assim, torna-se,
nos termos de Paulo Freire, uma “educação bancária”, na qual os professores
depositam o conteúdo em seus alunos e depois de um tempo resgatam esse
“conhecimento” através de uma avaliação, podendo ser provas da escola ou o
resultado dos vestibulares/Enem. Além disso, esse autor vai afirmar que a
prática educativa, ao treinar e adaptar o educando a uma realidade que não pode
ser mudada, obedece à uma ideologia fatalista que anima o discurso neoliberal
(FREIRE, 1996).
Porém, para
alcançar o que nos diz a Constituição sobre o desenvolvimento da pessoa e seu
preparo para exercer a cidadania e superar o modelo de educação que temos
majoritariamente no Brasil hoje, uma das principais mudanças que deve ocorrer é
a adaptação dos conteúdos à realidade dos alunos. Dessa forma, as relações
feitas entre os conteúdos científicos e sua vivência no mundo tornaria os
estudantes cada vez mais críticos. O que se apresenta neste texto como uma
proposta para alcançarmos a educação que queremos tem base legal, por exemplo,
na LDB, que “prevê flexibilidade no que se refere às formas de organização
escolar, permitindo que se atenda às peculiaridades regionais e locais, às
diferentes clientelas e necessidades do processo de aprendizagem (art. 23).”
(PENIN; VIEIRA, 2002, p. 21)
Entretanto, uma
aplicação efetiva dessa conexão se faz necessária, uma vez que, nos anos 90,
Paulo Freire, patrono da educação brasileira e grande teórico da área, já nos
alertava para a importância do respeito aos saberes dos alunos e da relação com
seu contexto.
Por que não discutir
com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo
conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a
convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que
não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares
fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?
Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso
dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste
descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem
nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os
conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos.
(FREIRE, 1996, p. 15)
A escola deve, usando termos e ideias concebidos pela
UNESCO nos anos 90, ser um espaço onde aprende-se a conhecer (domínio dos
instrumentos de conhecimento, aprender a aprender), aprende-se a fazer (além da
qualificação profissional, envolve aquisição de competências para as diferentes
experiências sociais), aprender a conviver (descoberta e respeito ao outro e
participação de projetos comuns) e aprender a ser (contribuição para o
desenvolvimento total da pessoa, envolvendo criticidade e aspectos subjetivos
do ser humano) (PENIN; VIEIRA, 2002, p. 27 e 28). Essa educação, então, se
volta para o pleno desenvolvimento da pessoa do qual trata a Constituição,
dando ênfase às duas últimas aprendizagens, e isso se constrói através,
principalmente, da inserção dos conteúdos e da escola em si num contexto,
relacionando-os diretamente à realidade.
Dessa forma,
nenhum currículo pode ser consolidado por muito tempo, se fazendo necessário “um
repensar constante sobre sua contemporaneidade, ou seja, sua atualidade e sua
adequação ao que está acontecendo no mundo real. Os alunos precisam de
conhecimentos que lhe sirvam para melhor entender a sociedade global e melhor
conviver e agir em sua comunidade e no seu trabalho.” (PENIN; VIEIRA, 2002, p.
29).
REFERÊNCIAS
CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. Artigos sobre educação. Disponível em: <http://www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/10/docs/constituicao_federal_de_1988_-_da_educacao.pdf>.
EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA. Disponível em: <http://www.proex.ufes.br/o-que-%C3%A9-extens%C3%A3o-universit%C3%A1ria>.
FREIRE, P.
(1996) Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª
ed., São Paulo: Paz e Terra (Coleção Leitura).
PENIN, Sonia
T. Sousa; VIEIRA, Sofia Lerche. Refletindo sobre a função social da escola. In:
VIEIRA, Sofia Lerche (org.) Gestão da Escola. Desafios a enfrentar. Rio de
Janeiro: DP&A, 2002. (Biblioteca ANPAE).