segunda-feira, 9 de julho de 2018

SAÚDE MENTAL DOS ESTUDANTES: O CASO JIWAGO



            
Paulo Emílio dos Santos Abreu Neto

11h15 da manhã de sábado, um ensolarado, porém trágico, dia 23 de julho. As últimas imagens do nosso amigo (digo não só meu de infância, como de toda a UnB) e personagem, personalidade lendária e carismática, Jiwago Henrique de Jesus Miranda ou apenas Jiwago são registradas por câmeras espalhadas. Poucas horas depois nosso amigo seria brutalmente assassinado de maneira covarde, e ele que agora é visto nas imagens não teve a mesma sorte de ter a visibilidade sobre seu caso em seus últimos dias. Logo o Jiwago, um rapaz como nós, só que genial, principalmente em seus momentos de calma e serenidade ou até momentos passados, tão gentil e simpático, muitas vezes prestativo e conselheiro.
           Jiwago veio de uma família baiana, negra e humilde, até então quando jovem, era meio punk e meio poeta, já ampliava seu vasto conhecimento cultural do mundo nessa época,  já mostrava querer desafiar o sistema, ser uma curva fora do eixo, mesmo com toda humildade. O irmão de Ítalo, também conhecido como Romarinho (um dos melhores jogadores de futebol e capoeirista das quadras do final da Asa Sul, que também se perdeu no vício do crack), estudou e leu o bastante, escreveu poemas, estudou antropologia e filosofia  em umas das maiores instituições públicas do Brasil - a UnB. Grande feito pra ele um rapaz negro de origem humilde, mas não tão grande  para a sociedade, que  enxerga tão pouco potencial e o que se passa na cabeça desses jovens.
            Ele tinha esquizofrenia e não possuía dinheiro para pagar o seu tratamento. Com o tempo e, com o consumo de algumas drogas pesadas ocasionado pela depressão de perder o irmão pra rua e sua mãe não ter conseguido manter a sanidade com o acontecimento, nosso amigo agora largado pelo governo e negado o direito a remédios de seu tratamento, infelizmente ficou à mercê da doença, que infelizmente no Brasil não é levada a sério. Jiwago foi morar na rua, perdeu a mulher, o contato com os filhos, amigos, sua assistência provida pela Universidade, chegou a se desligar da UnB, mas voltou e vinha sendo assistido por psicólogos da universidade, mas de forma muito rasa, pois além do descaso ele vivia constantemente escondido, com medo de agressões covardes cada vez mais recorrentes, não estava mais em condições humanas, nem de higiene e nem mentais.
Devido a sua situação, os surtos tornaram–se cada vez mais frequentes, nosso gentil Jiwago era esquecido e tragado pela marola cruel do sistema, tornara se instável, embora não agredisse ninguém, assustava estudantes com gritos dirigidos ao vazio, era constantemente recolhido por seguranças de sua querida universidade (a quem chamava de “Mãe” e tinha um sincero apreço) e levado pra ser dopado no HPAP ou sabe lá pra onde e depois largado nas ruas novamente. Logo ele, que ensinou a tantos calouros a entender a nossa Universidade.
E a sua doença? A sua condição? Seus anseios?  Sua mãe UnB não poderia ter zelado com mais apreço por um de seus mais lendários e incríveis estudantes? "Jiwagão" aquele garoto magrelo e descolado que não "ligava" de ficar jogando videogame cuidando da criançada mais nova da quadra na locadora do Flavinho Japonês; que convidava a refletir sobre a vida e a nossa condição humana nesse mundo cruel; que aconselhava os mais jovens universitários; que não julgava o próximo, quem quer que fosse; que propagava a gentileza; que saiu de  uma condição humilde imposta a sua família pelo sistema e foi o primeiro a entrar numa Universidade Federal. 
Logo ele que se superou tanto e mesmo em situação crítica de rua não pedia esmola, logo seu querido filho dona UnB....Até quando? Será que a partida do nosso carismático e querido filósofo terá sido em vão como tantas outras?  É tão difícil nos superarmos, vencermos nesse sistema, mudar nosso destino e nossa história vindos de certas condições...quando seremos ouvidos, respeitados e enxergados como reais "contribuidores" e como futuro da Universidade? Será que valemos a pena só a partir do nosso status quo e do nosso retorno às instituições enquanto formos apenas bons produtos que alcançaram resultados... ou um dia seremos vistos como pessoas?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A CULTURA NA EDUCAÇÃO: CONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE                                                                    ...