Paulo Emílio dos Santos Abreu Neto
11h15 da manhã de sábado, um
ensolarado, porém trágico, dia 23 de julho. As últimas imagens do nosso amigo
(digo não só meu de infância, como de toda a UnB) e personagem, personalidade lendária
e carismática, Jiwago Henrique de Jesus Miranda ou apenas Jiwago são
registradas por câmeras espalhadas. Poucas horas depois nosso amigo seria
brutalmente assassinado de maneira covarde, e ele que agora é visto nas imagens
não teve a mesma sorte de ter a visibilidade sobre seu caso em seus últimos
dias. Logo o Jiwago, um rapaz como nós, só que genial, principalmente em seus
momentos de calma e serenidade ou até momentos passados, tão gentil e
simpático, muitas vezes prestativo e conselheiro.
Jiwago
veio de uma família baiana, negra e humilde, até então quando jovem, era meio
punk e meio poeta, já ampliava seu vasto conhecimento cultural do mundo nessa
época, já mostrava querer desafiar o
sistema, ser uma curva fora do eixo, mesmo com toda humildade. O irmão de
Ítalo, também conhecido como Romarinho (um dos melhores jogadores de futebol e
capoeirista das quadras do final da Asa Sul, que também se perdeu no vício do
crack), estudou e leu o bastante, escreveu poemas, estudou antropologia e filosofia
em umas das maiores instituições públicas do Brasil - a UnB. Grande
feito pra ele um rapaz negro de origem humilde, mas não tão grande para a sociedade, que enxerga tão pouco potencial e o que se passa na cabeça desses jovens.
Ele
tinha esquizofrenia e não possuía dinheiro para pagar o seu tratamento. Com o
tempo e, com o consumo de algumas drogas pesadas ocasionado pela depressão de
perder o irmão pra rua e sua mãe não ter conseguido manter a sanidade com o
acontecimento, nosso amigo agora largado pelo governo e negado o direito a
remédios de seu tratamento, infelizmente ficou à mercê da doença, que
infelizmente no Brasil não é levada a sério. Jiwago foi morar na rua, perdeu a
mulher, o contato com os filhos, amigos, sua assistência provida pela Universidade,
chegou a se desligar da UnB, mas voltou e vinha sendo assistido por psicólogos
da universidade, mas de forma muito rasa, pois além do descaso ele vivia
constantemente escondido, com medo de agressões covardes cada vez mais
recorrentes, não estava mais em condições humanas, nem de higiene e nem
mentais.
Devido a sua situação, os surtos
tornaram–se cada vez mais frequentes, nosso gentil Jiwago era esquecido e
tragado pela marola cruel do sistema, tornara se instável, embora não agredisse
ninguém, assustava estudantes com gritos dirigidos ao vazio, era constantemente
recolhido por seguranças de sua querida universidade (a quem chamava de “Mãe” e
tinha um sincero apreço) e levado pra ser dopado no HPAP ou sabe lá pra onde e
depois largado nas ruas novamente. Logo ele, que ensinou a tantos calouros a
entender a nossa Universidade.
E a sua doença? A sua condição? Seus
anseios? Sua mãe UnB não poderia ter zelado
com mais apreço por um de seus mais lendários e incríveis estudantes? "Jiwagão" aquele garoto magrelo e descolado que não "ligava" de ficar jogando videogame
cuidando da criançada mais nova da quadra na locadora do Flavinho Japonês; que
convidava a refletir sobre a vida e a nossa condição humana nesse mundo cruel; que
aconselhava os mais jovens universitários; que não julgava o próximo, quem quer que
fosse; que propagava a gentileza; que saiu de uma condição humilde imposta a sua família pelo
sistema e foi o primeiro a entrar numa Universidade Federal.
Logo ele que se
superou tanto e mesmo em situação crítica de rua não pedia esmola, logo seu
querido filho dona UnB....Até quando? Será que a partida do nosso carismático e
querido filósofo terá sido em vão como tantas outras? É tão difícil nos
superarmos, vencermos nesse sistema, mudar nosso destino e nossa história vindos
de certas condições...quando seremos ouvidos, respeitados e enxergados como
reais "contribuidores" e como futuro da Universidade? Será que valemos a pena só
a partir do nosso status quo e do nosso
retorno às instituições enquanto formos apenas bons produtos que alcançaram resultados...
ou um dia seremos vistos como pessoas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário