terça-feira, 10 de julho de 2018

A ARTE NA ESCOLA E PARA A ESCOLA




Maria Luísa Torres Rolim

         "O real objetivo desse texto é exprimir os anseios de uma aluna do     terceiro semestre de Licenciatura em Artes Visuais em relação ao futuro dela e de seus futuros alunos – se chegar a tê-los".
        Distância. Hoje sei que a distância pode ser desenhada, pintada, esculpida, dançada, cantada, tocada e encenada. A pergunta que perdura é o porquê só me lembro de ser instruída a lê-la, escrevê-la e, mais tarde, calcula-la na escola. Nos anos 80 as pesquisas em arte-educação avançaram no Brasil e, mesmo que tardiamente, em 1996, oficialmente, a arte entrava para o currículo do ensino fundamental. Um ano depois é contemplada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) sob a abordagem triangular –apreciação,  produção e contextualização – de Ana Mae. Não obstante aos fatos, o que vivi enquanto aluna do ensino básico é inegável. Quando pequena, a arte me era apresentada unicamente no formato procedimental e sua finalidade era sempre a produção de um trabalho modelar para o dia árvore ou para o dia das mães. Ao crescer, aprendi que arte é tudo aquilo que é uno, original, manual, autoral, expositivo e belo.
        Em sua explanação referindo-se ao capital humano, Frigotto (1993) levanta a questão anti-hegeliana que Marx tinha ao apontar que o pensamento seria posterior à realidade. O pensar, portanto, é resultado do contato humano com o real. Os conceitos que nutrimos são frutos de pensamentos que, por sua vez, são significação do mundo. Partindo-se da crença na falácia da neutralidade, abstrai-se que os conceitos ditos universais não o são. Outrossim, as verdades conceituais selecionadas para o ensino na escola não são inocentes, possuem, segundo Frigotto, origem de classe. A conceituação de história da arte, por exemplo, é dissipada através dos manuais e livros didáticos sob o olhar unicamente ocidental e, mais especificamente, europeu.
          Freire (1996)  apresenta como princípio da prática docente o estar livre de prejuízo. Os juízos de classe, religião, gênero e raça só devem ser tratados em sala de aula sob caráter pluralista, tratando tais assuntos de forma vária. Em resumo, como de fato são. O formato incitado por Freire daria espaço para que a consciência geral de substantividade do ser se formasse. Somente pautados nessas circunstâncias, a escola seria espaço de formação do aluno, onde as significações pessoais são válidas. O processo de desenvolvimento da própria substantividade iniciar-se-ia na apresentação do conteúdo pelo docente e seria continuado pela curiosidade do discente. Tal modelo de ensino-aprendizagem se diferencia do modelo comum - no qual os quarenta alunos de uma sala devem apreender o conteúdo de modo que todos sejam capazes de responder uma mesma pergunta da mesma forma-, pois sua finalidade é dar vazão para que os alunos encontrem no conteúdo formas diferentes de aplicabilidade em suas próprias realidades.
         A discussão sobre o rumo utilitarista que a educação brasileira tem tomado é pautada nos vestígios de um gestão que visa resultados comuns aos que se visam em uma empresa. Lenoir (2016) trás a tona essa visão ao destacar desempenho e eficiência como aspectos caracterizadores de um ensino tido como ideal. O fim da educação emancipatória  já dava seus sinais à medida que o ingresso nas faculdades era motivado pela ânsia de um comodismo econômico, de uma certeza de sucesso financeiro (LENOIR, 2016), mas se tornou inquestionável com a emergência do novo modelo de ensino médio. Uma instituição de caráter formador que se molda na medida do mercado, não serve à dimensão cidadã do ser humano, mas à econômica.
           Trago de volta a tona, o elemento focal desse texto. O motivo pelo qual a disciplina das artes é tão mal explorada em sala de aula se deve ao simples fato de que artista não é mão-de-obra. A formação do trabalhador perpassa o ensino das artes unicamente nos sentidos de se adquirir disciplina, atenção, organização, etc. (FERREIRA, S., et al., 2011). A arte, portanto, se mostra como uma subdisciplina, dando subsidio para que a Língua Portuguesa, a Língua Inglesa e a Matemática possam operar da melhor forma possível. O purismo dos saberes selecionados como necessários ao aluno não existe. Como apontado por Frigotto, os conceitos dominantes advém da classe dominante e esses, por sua vez, são propagados. O utilitarismo na educação é configurado, a priori, através das disciplinas selecionadas – aquelas nas quais fomentam a formação da mão-de-obra - e do formato na qual são apresentadas – contrários à emancipação e ao humanismo. A superação do ensino  que adestra só é possível ao passo que, adotando o modelo freireano de ensino-aprendizagem, a finalidade seja o processo.
             Trabalhar as artes na escola é desenvolver habilidades específicas.  Aplicá-las para que se desenvolva olhar crítico é o que miram os estudos em arte-educação, engessá-las para que sejam produzidas quarenta pinturas iguais com a temática do dia do índio, é rumo que se tem tomado. A emancipação se concebe quando os alunos são vistos não como copiadores ou como colaboradores, mas como criadores. O estímulo inicial do docente não deve criar barreiras para que as quarenta significações singulares tomem forma. Portanto, essa é a real finalidade da arte na escola, servir à escola enquanto disciplina que possibilita o desenvolvimento das dimensões cênicas, musicais, visuais e do movimento no ser humano. Isso, com finalidade no mesmo. Arte-educação não talha trabalhador, viabiliza o cidadão.

Bibliografia consultada
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (coleção Leitura)
FERREIRA, Sueli. O Ensino das artes: construindo caminhos. Campinas, SP: Papirus,  2001. (coleção Ágere)
SANTOS, João. No discurso de crises, a busca por uma educação utilitarista e neoliberal. Entrevista especial com Roberto Dias da Silva. Disponível em: www.ihu.unisinos.br/159-notícias/entrevistas/569584-no-discurso-de-crises-a-busca-por-uma-educacao-utilitarista-e-neo-liberal-entrevista-especial-com-roberto-dias-da-silva>. Acesso em: 05 de julho de 2018.
CAMILO, Camila. Arte e a liberdade para criar. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/3447/arte-e-a-liberdade-para-criar>. Acesso em: 05 de julho de 2018.
FRIGOTTO, Galdêncio. Capital Humano.
Lenoir, Y. (2016). O utilitarismo de assalto às ciências da educação. [ebook] Curitiba: Educar em Revista, pp.159-167. Available at: https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/47109 [Accessed 5 Jul. 2018].

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