Maria Luísa Torres Rolim
"O
real objetivo desse texto é exprimir os anseios de uma aluna do terceiro semestre de Licenciatura em Artes Visuais em relação ao futuro dela e de seus
futuros alunos – se chegar a tê-los".
Distância.
Hoje sei que a distância pode ser desenhada, pintada, esculpida, dançada,
cantada, tocada e encenada. A pergunta que perdura é o porquê só me lembro de
ser instruída a lê-la, escrevê-la e, mais tarde, calcula-la na escola. Nos anos
80 as pesquisas em arte-educação avançaram no Brasil e, mesmo que tardiamente,
em 1996, oficialmente, a arte entrava para o currículo do ensino fundamental.
Um ano depois é contemplada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) sob
a abordagem triangular –apreciação,
produção e contextualização – de Ana Mae. Não obstante aos fatos, o que
vivi enquanto aluna do ensino básico
é inegável. Quando pequena, a arte me era apresentada unicamente no formato
procedimental e sua finalidade era sempre a produção de um trabalho modelar
para o dia árvore ou para o dia das mães. Ao crescer, aprendi que arte é tudo
aquilo que é uno, original, manual, autoral, expositivo e belo.
Em
sua explanação referindo-se ao capital
humano, Frigotto (1993) levanta a questão anti-hegeliana que Marx tinha ao
apontar que o pensamento seria posterior à realidade. O pensar, portanto, é resultado
do contato humano com o real. Os conceitos que nutrimos são frutos de
pensamentos que, por sua vez, são significação do mundo. Partindo-se da crença
na falácia da neutralidade, abstrai-se que os conceitos ditos universais não o
são. Outrossim, as verdades conceituais
selecionadas para o ensino na escola não são inocentes, possuem, segundo
Frigotto, origem de classe. A conceituação de história da arte, por exemplo, é
dissipada através dos manuais e livros didáticos sob o olhar unicamente
ocidental e, mais especificamente, europeu.
Freire (1996) apresenta como princípio da prática docente o
estar livre de prejuízo. Os juízos de classe, religião, gênero e raça só devem
ser tratados em sala de aula sob caráter pluralista, tratando tais assuntos de
forma vária. Em resumo, como de fato são. O formato incitado por Freire daria
espaço para que a consciência geral de substantividade do ser se formasse.
Somente pautados nessas circunstâncias, a escola seria espaço de formação do
aluno, onde as significações pessoais são válidas. O processo de
desenvolvimento da própria substantividade iniciar-se-ia na apresentação do
conteúdo pelo docente e seria continuado pela curiosidade do discente. Tal
modelo de ensino-aprendizagem se diferencia do modelo comum - no qual os
quarenta alunos de uma sala devem apreender o conteúdo de modo que todos sejam
capazes de responder uma mesma pergunta da mesma forma-, pois sua finalidade é
dar vazão para que os alunos encontrem no conteúdo formas diferentes de
aplicabilidade em suas próprias realidades.
A discussão sobre o rumo utilitarista que a
educação brasileira tem tomado é pautada nos vestígios de um gestão que visa
resultados comuns aos que se visam em uma empresa. Lenoir (2016) trás a tona
essa visão ao destacar desempenho e eficiência como aspectos caracterizadores
de um ensino tido como ideal. O fim da educação emancipatória já dava seus sinais à medida que o ingresso
nas faculdades era motivado pela ânsia de um comodismo econômico, de uma
certeza de sucesso financeiro (LENOIR, 2016), mas se tornou inquestionável com
a emergência do novo modelo de ensino médio. Uma instituição de caráter
formador que se molda na medida do mercado, não serve à dimensão cidadã do ser
humano, mas à econômica.
Trago
de volta a tona, o elemento focal desse texto. O motivo pelo qual a disciplina
das artes é tão mal explorada em sala de aula se deve ao simples fato de que
artista não é mão-de-obra. A formação do trabalhador perpassa o ensino das
artes unicamente nos sentidos de se adquirir disciplina, atenção, organização,
etc. (FERREIRA, S., et al., 2011). A
arte, portanto, se mostra como uma subdisciplina, dando subsidio para que a
Língua Portuguesa, a Língua Inglesa e a Matemática possam operar da melhor
forma possível. O purismo dos saberes selecionados como necessários ao aluno
não existe. Como apontado por Frigotto, os conceitos dominantes advém da classe
dominante e esses, por sua vez, são propagados. O utilitarismo na educação é
configurado, a priori, através das disciplinas selecionadas – aquelas nas quais
fomentam a formação da mão-de-obra - e do formato na qual são apresentadas –
contrários à emancipação e ao humanismo. A superação do ensino que adestra só é possível ao passo que,
adotando o modelo freireano de ensino-aprendizagem, a finalidade seja o
processo.
Trabalhar as artes na escola é desenvolver
habilidades específicas. Aplicá-las para
que se desenvolva olhar crítico é o que miram os estudos em arte-educação,
engessá-las para que sejam produzidas quarenta pinturas iguais com a temática
do dia do índio, é rumo que se tem tomado. A emancipação se concebe quando os
alunos são vistos não como copiadores ou como colaboradores, mas como criadores.
O estímulo inicial do docente não deve criar barreiras para que as quarenta
significações singulares tomem forma. Portanto, essa é a real finalidade da
arte na escola, servir à escola enquanto disciplina que possibilita o
desenvolvimento das dimensões cênicas, musicais, visuais e do movimento no ser
humano. Isso, com finalidade no mesmo. Arte-educação não talha trabalhador,
viabiliza o cidadão.
Bibliografia consultada
FREIRE, Paulo. Pedagogia da
autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1996. (coleção Leitura)
FERREIRA, Sueli. O Ensino
das artes: construindo caminhos. Campinas, SP: Papirus, 2001. (coleção Ágere)
SANTOS, João. No discurso de crises, a busca por uma
educação utilitarista e neoliberal. Entrevista especial com Roberto Dias da
Silva. Disponível em: www.ihu.unisinos.br/159-notícias/entrevistas/569584-no-discurso-de-crises-a-busca-por-uma-educacao-utilitarista-e-neo-liberal-entrevista-especial-com-roberto-dias-da-silva>.
Acesso em: 05 de julho de 2018.
CAMILO, Camila. Arte e a liberdade para criar.
Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/3447/arte-e-a-liberdade-para-criar>.
Acesso em: 05 de julho de 2018.
FRIGOTTO, Galdêncio. Capital Humano.
Lenoir, Y. (2016). O
utilitarismo de assalto às ciências da educação. [ebook] Curitiba: Educar em Revista, pp.159-167.
Available at: https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/47109 [Accessed 5
Jul. 2018].
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