O CAPITAL CULTURAL E A IDEOLOGIA DO MÉRITO: DESAFIOS PARA UM ENSINO DEMOCRÁTICO
Mateus Paula Leite Paz
No
presente ensaio buscaremos refletir junto a Bourdieu e a categoria central à
sua obra “capital cultural” acerca da imagem estabelecida nas sociedades
contemporâneas da escola como um meio de ascensão social, e assim, vislumbrar
por meio dessa perspectiva alguns dos principais desafios à educação no Brasil.
Bourdieu
percebe a escola como uma força de conservação social, que serve à manutenção
da estratificação de classes sociais. Justamente por parecer este ambiente onde
se percorre por mérito, a escola invisibiliza o processo de exclusão escolar.
Este processo se caracteriza pela desigualdade de condições com que as crianças
de diferentes classes ocupam as escolas públicas e privadas, gerando
consequências em relação às oportunidades futuras de conquistar os diplomas de ensino
superior, técnico ou pós-graduação. (BOURDIEU, 1966, p.5)
A
noção de capital cultural vai servir então para pensarmos de que forma o
conhecimento e as disposições comportamentais transmitidas pela família aos
indivíduos corrobora para o processo de êxito ou fracasso escolar.
No
caso do estudo de Bourdieu, fica entendido que há uma relação diretamente
proporcional entre o nível de estudo dos pais e a chance de êxito no percurso
do ensino. Essa relação estaria determinada não só pelo acesso desigual das
classes à informação, ou seja, aos códigos,
normas, valores, linguagens que compõe o ambiente escolar, mas também pelo nível de expectativas de ascensão social que os indivíduos dessas diferentes
classes depositam sobre o ensino escolar.
O
capital cultural, portanto, resulta no privilégio cultural das elites, através
do qual são depositados sobre os indivíduos oriundos dessas classes,
mesmo que de forma não planejada, as disposições através das quais ele irá obter
sucesso escolar. (BOURDIEU, 1966, p.6
a 8)
Esse mascaramento dos privilégios que o sistema escolar produz é, na
verdade, resultado de uma pedagogia específica, meritocrática, que tende a
tratar todos como iguais, quando na verdade as pessoas são desiguais. Isto é,
focando em pensar um ensino melhor para todos, deixou-se de pensar no ensino
melhor para cada um com suas idiossincrasias. Desse modo, a escola só pode
continuar a reproduzir privilégios de classe e não libertar as pessoas deles.(BORDIEU, 1966, p. 9 e 10)
É
por isso que um ensino mais democrático deve buscar diminuir essa diferença que
resulta não do mérito, mas apenas do privilégio, de modo que pessoas de
diferentes classes sociais possam ter igualdade de concorrência nas variadas
instâncias de ascensão social.
Na
verdade, não podemos pensar em um desafio maior ao ensino que esse. Isto porque o debate sobre o privilégio das
classes médias e altas no Brasil toca em pontos vitais da legitimidade do poder
dessas classes sobre a imensa massa de mão-de-obra superexplorada.
Se
não formos capazes de refletir em conjunto sobre formas de democratizar o ensino e fazê-lo um instrumento de
promoção de oportunidades, em vez de um grande pente fino ao qual só resistem as elites, então ainda
teremos um longo caminho até estabelecer uma sociedade verdadeiramente
democrática, já que a educação como um todo reflete a agenda e as prioridades de um Estado comprometido
com o interesse das grandes empresas e corporações
em detrimento dos interesses da classe dos trabalhadores.
Referência Bibliográfica
BOURDIEU, Pierre. A
escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. Educ.
Rev. 1989, n.10, pp. 05-15.
SOUZA, Jessé, “A
cegueira do debate brasileiro sobre as classes sociais e a pobreza do debate político” e “As manifestações de
junho e a cegueira política das classes”. In: A Tolice da Inteligência Brasileira. Ou como o país se deixa
manipular pela elite. São Paulo, Leya, 2015, p. 221-252.
SOUZA, Jessé. A ética protestante e a ideologia do atraso
brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 1998, vol. 13, no 38.
Mateus Paula Leite Paz
Nenhum comentário:
Postar um comentário