O PRINCÍPIO DA SABEDORIA É O TEMOR A DEUS: RELIGIOSIDADE COMO PONTO NORTEADOR DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS ATUAIS
Victoria L. Leite
Fui nascida e criada em meio a uma família
extremamente religiosa. Minha mãe de uma igreja conservadora chamada Igreja
Cristã Maranata; meu irmão é pastor de uma igreja neopentecostal; minha irmã,
da Presbiteriana – a mesma de meu pai e toda a sua família. Durante toda a
vida, ouvi minha mãe dizer que, antes de tudo, eu tinha que ter temor a Deus,
ou seja, medir todos os meus passos, atitudes e inclusive pensamentos, tendo em
vista que Ele é onipresente e onisciente; que, por mais que tentasse, eu jamais
conseguiria fugir do olhar d’Ele.
Para eles, os conselhos de Deus são sábios e nos
ensinam a viver a vida de uma melhor maneira. Em várias passagens, a Bíblia diz
que o temor a Deus é o princípio da sabedoria, assim como é sensato (Salmos
111: 10), puro (Salmos 19: 9), dá conhecimento (Provérbios 1:7) e prolonga a
vida (Provérbios 19:23). O temor significa respeito – um profundo respeito e
amor que leva à obediência a seus mandamentos. O contrário disso significa
insensatez, ruína e infelicidade.
Essa premissa foi e continua sendo incisiva em
minha vida, na vida das pessoas ao meu redor e, tenho percebido, na vida das
pessoas de dentro e de fora da igreja. A religião protestante tem tomado um
considerável espaço em vários âmbitos –
interpessoais, políticos, socializatórios, educacionais. A problemática
aqui se dá justamente pelo fato de tornarem suas crenças tão arraigadas e
difundidas a julgamentos destinados a pessoas que, tementes a Deus, são sábias
e prósperas e que, não tementes, são infelizes.
Para muito além da minha vida privada, esse
princípio tem sido manifestado com forte impacto na política e na educação,
afetando diretamente a vida de todos e todas. Estamos quase inteiramente
cercados por valores, em especial, evangélicos. Um dos maiores exemplos que
temos é o ensino religioso nas escolas – que foca principalmente no
catolicismo/protestantismo. Existem estudos que coletaram dados demonstrando o
crescimento das organizações educacionais cristãs, sua especialização e
movimentação na sociedade civil. Tendo em vista o crescimento da popularidade
cristã, tento entender o que significa o ensino religioso, tão prontamente
defendido por esses grupos, na rede pública de ensino.
Por quê religiões cristãs têm ganhado tanta força
em questões políticas e interferido tanto nas questões organizacionais; qual é
o interesse por trás da incisiva interferência de grupos cristãos na inserção
do ensino religioso na rede pública e a consequente promoção da educação
domiciliar são questões que vêm sendo respondidas por autores clássicos e contemporâneos.
Uma das características das desses eventos é o advento da Modernidade - a
cultura religiosa tende a se explanar até o ponto de tornar-se um sistema
cultural, um espécie de cola que encaixa muitas subexplicações custosas que se
sustentam mutuamente e dá forma a um todo complexo e amplo que economiza ações
dos indivíduos.
Para Weber, as concepções religiosas eram
cruciais e originárias das sociedades humanas pois o homem sempre esteve à
procura de sentido e de significado para a sua existência, não somente por
ajustamento emocional, mas por segurança cognitiva ao enfrentar problemas de
sofrimento e morte – procura-se na religião signos de transcendência e
esperança, aquela fazendo referência a algo externo e superior, ligada à
realidade imaterial de natureza metafísica. Weber toma as religiões como
respostas racionais a indagações referentes aos problemas de sofrimento e
destino, quaisquer que sejam os termos colocados por elas. Pela perspectiva
funcional, a religião oferece normas, coesão, estímulo, sentido, identidade,
redenção.
Durkheim cria que o pacto social entre
inconscientes individuais gerava relações egoístas e altruístas – que mais
tarde desenvolveria em sua obra O suicídio – assim como as crenças dividem o
mundo em sagrado e profano, organizando, seguindo essa ordem, respectivamente.
As crenças, os símbolos e os mitos estão em desordem nas percepções do
indivíduo e a religião, com seus contrapontos, vêm como uma forma de
organizá-los, logo a religião, ao contrário da magia, cria e reforça a
solidariedade social.
O medo que ronda as pessoas com o mundo
“perdido”, sem valores e designado vê a salvação na religião. E acreditam que
ela é a solução para suas próprias vidas e para a vida de todas as outras
pessoas, pois ela traz a ideia de ordem. Há
sempre a necessidade de explicar a ordem geral das coisas, independentemente da
forma como essa explicação se desenvolve, pois, se assim não fosse, ela seria
apenas um conjunto de normas morais. E o homem sempre tem sede de símbolos e
seus sistemas. É como se o ser humano necessitasse deles para ser viável até
mesmo enquanto criatura e acaba por não considerar as possibilidades de falhas
desses símbolos – porém, se isso acontecesse, como Geertz afirma, seria o caos.
O caos é um
tumulto de acontecimentos ininterpretáveis que ameaça a própria existência
humana e é justamente o caos que o ser humano não suporta e, para que isso não
aconteça, ele busca soluções para seus problemas na própria religião. O
problema é a maneira como isso vem sendo perpetuado e adentrado à vida de todos
e todas direta e indiretamente, principalmente por meio de seus líderes e
representantes. Os autores Stark e Braindrigde denominam esses de especialistas
religiosos. Esses são realmente têm espaço e voz, pois os
indivíduos precisam de alguém que intermedie a relação entre as recompensas e
os indivíduos.
Indivíduos vivem em sociedade e as
relações sociais são como teias que ligam uns aos outros, isso significa que,
como é impossível que um ser humano avalie conscientemente todas as explicações
que utiliza, ele necessita de alguém que as pense, avalie e promova por ele.
Isso quer dizer que os especialistas religiosos têm carta branca para afirmar
qual é o melhor caminho a ser percorrido para a obtenção dos objetivos
almejados. E é o que tem acontecido dentro de nossa Casa legislativa e está
sendo levado adiante, sendo perpetuado por todas as demais áreas da vida
social.
Referências
bibliográficas:
DURKHEIM, Émile, As
formas elementares da vida religiosa. Diversas edições.
STARK, Rodney, e
Bainbridge, William Sims, Uma teoria da religião. São Paulo, Paulinas, 2008.
Capítulo 3, “A evolução dos deuses” e 4, “Sacerdotes e magos”
WEBER, Max, “Sociologia
da religião”, in Economia e Sociedade. Brasília, EdUnB, 1980.
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