quinta-feira, 30 de maio de 2019



O PRINCÍPIO DA SABEDORIA É O TEMOR A DEUS: RELIGIOSIDADE COMO PONTO NORTEADOR DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS ATUAIS 

Imagem relacionada

                                                                                                   Victoria L. Leite 

Fui nascida e criada em meio a uma família extremamente religiosa. Minha mãe de uma igreja conservadora chamada Igreja Cristã Maranata; meu irmão é pastor de uma igreja neopentecostal; minha irmã, da Presbiteriana – a mesma de meu pai e toda a sua família. Durante toda a vida, ouvi minha mãe dizer que, antes de tudo, eu tinha que ter temor a Deus, ou seja, medir todos os meus passos, atitudes e inclusive pensamentos, tendo em vista que Ele é onipresente e onisciente; que, por mais que tentasse, eu jamais conseguiria fugir do olhar d’Ele.
Para eles, os conselhos de Deus são sábios e nos ensinam a viver a vida de uma melhor maneira. Em várias passagens, a Bíblia diz que o temor a Deus é o princípio da sabedoria, assim como é sensato (Salmos 111: 10), puro (Salmos 19: 9), dá conhecimento (Provérbios 1:7) e prolonga a vida (Provérbios 19:23). O temor significa respeito – um profundo respeito e amor que leva à obediência a seus mandamentos. O contrário disso significa insensatez, ruína e infelicidade.
Essa premissa foi e continua sendo incisiva em minha vida, na vida das pessoas ao meu redor e, tenho percebido, na vida das pessoas de dentro e de fora da igreja. A religião protestante tem tomado um considerável espaço em vários âmbitos –  interpessoais, políticos, socializatórios, educacionais. A problemática aqui se dá justamente pelo fato de tornarem suas crenças tão arraigadas e difundidas a julgamentos destinados a pessoas que, tementes a Deus, são sábias e prósperas e que, não tementes, são infelizes.
Para muito além da minha vida privada, esse princípio tem sido manifestado com forte impacto na política e na educação, afetando diretamente a vida de todos e todas. Estamos quase inteiramente cercados por valores, em especial, evangélicos. Um dos maiores exemplos que temos é o ensino religioso nas escolas – que foca principalmente no catolicismo/protestantismo. Existem estudos que coletaram dados demonstrando o crescimento das organizações educacionais cristãs, sua especialização e movimentação na sociedade civil. Tendo em vista o crescimento da popularidade cristã, tento entender o que significa o ensino religioso, tão prontamente defendido por esses grupos, na rede pública de ensino.
Por quê religiões cristãs têm ganhado tanta força em questões políticas e interferido tanto nas questões organizacionais; qual é o interesse por trás da incisiva interferência de grupos cristãos na inserção do ensino religioso na rede pública e a consequente promoção da educação domiciliar são questões que vêm sendo respondidas por autores clássicos e contemporâneos. Uma das características das desses eventos é o advento da Modernidade - a cultura religiosa tende a se explanar até o ponto de tornar-se um sistema cultural, um espécie de cola que encaixa muitas subexplicações custosas que se sustentam mutuamente e dá forma a um todo complexo e amplo que economiza ações dos indivíduos.
Para Weber, as concepções religiosas eram cruciais e originárias das sociedades humanas pois o homem sempre esteve à procura de sentido e de significado para a sua existência, não somente por ajustamento emocional, mas por segurança cognitiva ao enfrentar problemas de sofrimento e morte – procura-se na religião signos de transcendência e esperança, aquela fazendo referência a algo externo e superior, ligada à realidade imaterial de natureza metafísica. Weber toma as religiões como respostas racionais a indagações referentes aos problemas de sofrimento e destino, quaisquer que sejam os termos colocados por elas. Pela perspectiva funcional, a religião oferece normas, coesão, estímulo, sentido, identidade, redenção.
Durkheim cria que o pacto social entre inconscientes individuais gerava relações egoístas e altruístas – que mais tarde desenvolveria em sua obra O suicídio – assim como as crenças dividem o mundo em sagrado e profano, organizando, seguindo essa ordem, respectivamente. As crenças, os símbolos e os mitos estão em desordem nas percepções do indivíduo e a religião, com seus contrapontos, vêm como uma forma de organizá-los, logo a religião, ao contrário da magia, cria e reforça a solidariedade social.
O medo que ronda as pessoas com o mundo “perdido”, sem valores e designado vê a salvação na religião. E acreditam que ela é a solução para suas próprias vidas e para a vida de todas as outras pessoas, pois ela traz a ideia de ordem. Há sempre a necessidade de explicar a ordem geral das coisas, independentemente da forma como essa explicação se desenvolve, pois, se assim não fosse, ela seria apenas um conjunto de normas morais. E o homem sempre tem sede de símbolos e seus sistemas. É como se o ser humano necessitasse deles para ser viável até mesmo enquanto criatura e acaba por não considerar as possibilidades de falhas desses símbolos – porém, se isso acontecesse, como Geertz afirma, seria o caos.
         O caos é um tumulto de acontecimentos ininterpretáveis que ameaça a própria existência humana e é justamente o caos que o ser humano não suporta e, para que isso não aconteça, ele busca soluções para seus problemas na própria religião. O problema é a maneira como isso vem sendo perpetuado e adentrado à vida de todos e todas direta e indiretamente, principalmente por meio de seus líderes e representantes. Os autores Stark e Braindrigde denominam esses de especialistas religiosos. Esses são realmente têm espaço e voz, pois os indivíduos precisam de alguém que intermedie a relação entre as recompensas e os indivíduos.
Indivíduos vivem em sociedade e as relações sociais são como teias que ligam uns aos outros, isso significa que, como é impossível que um ser humano avalie conscientemente todas as explicações que utiliza, ele necessita de alguém que as pense, avalie e promova por ele. Isso quer dizer que os especialistas religiosos têm carta branca para afirmar qual é o melhor caminho a ser percorrido para a obtenção dos objetivos almejados. E é o que tem acontecido dentro de nossa Casa legislativa e está sendo levado adiante, sendo perpetuado por todas as demais áreas da vida social.

Referências bibliográficas:

DURKHEIM, Émile, As formas elementares da vida religiosa. Diversas edições.
STARK, Rodney, e Bainbridge, William Sims, Uma teoria da religião. São Paulo, Paulinas, 2008. Capítulo 3, “A evolução dos deuses” e 4, “Sacerdotes e magos”
WEBER, Max, “Sociologia da religião”, in Economia e Sociedade. Brasília, EdUnB, 1980.





Nenhum comentário:

Postar um comentário

A CULTURA NA EDUCAÇÃO: CONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE                                                                    ...