sexta-feira, 31 de maio de 2019

QUEM GANHA A CORRIDA DA EDUCAÇÃO? UMA ANÁLISE DA "COPA DO MUNDO" DO CONHECIMENTO
Resultado de imagem para educação
                                                                     Rafael Carvalho Falleiros 

A educação vem sofrendo mudanças vertiginosas desde a sua concepção formalizada. Com a chegada da Revolução Industrial e de diversos governos ditatoriais que buscavam o desenvolvimento elevado de suas nações, o mundo recém-globalizado passou a conhecer uma nova maneira de se aprender e de se ensinar: o de “ganhar o jogo” mercadológico. Assim como uma partida de final na Copa do Mundo de Futebol, os livros passaram a ser as estratégias mais valiosas para o gol tão sonhado; as técnicas se tornaram o principal arsenal de driblar a concorrência pelo diploma; e a bola se transformou no relógio do hipnólogo, contando o fim da linha de chegada para os que foram mais fortes e conseguiram chutar a bola ao gol. Nessa análise, portanto, veremos um pouco sobre como a competitividade educacional está dominando a mentalidade estudantil, e como a formação social e crítica está perdendo lugar para discursos de cunho corporativo e qualitativo profissionais e afetando a vida e mente dos jovens estudantes.
Como comentado anteriormente, as revoluções tecnológicas e as novas demandas globalizadas de profissionais multifuncionais e extra capacitados, criaram uma nova necessidade educacional. Seguindo essa linha, diversos estudos econômicos passaram a sobrevoar a educação. Um dos maiores teóricos dessa Economia da Educação foi Theodore Schultz (1973), um famoso economista, prêmio Nobel na área por trazer o conceito de Capital Humano. Segundo o pesquisador, o novo modo de produção que surgia com o mundo globalizado parecia necessitar de um elemento à mais, além de mão- de-obra e matéria prima; um terceiro fio condutor de uma maior mobilidade econômica – de maior humanidade. Daí surge o conceito de Capital Humano, uma área até então não considerada pelas grandes corporações como vantajosa de se investir. Passa-se, então, a criar uma nova mentalidade: a produtividade, a qualificação da mão-de-obra e o bem- estar humano empresarial hão de ser o foco da nova indústria. O mundo, para desenvolver-se, precisa ser técnico e especializado. E, claro, tal perspectiva não escapou de invadir o pensamento de alguns educadores ao redor do mundo.
Entretanto, é importante destacar também que, como toda boa história, e como toda boa partida de futebol (para não escaparmos do subtema Copa do Mundo), há dois lados nessa moeda. Um time sempre possui torcedores, como também possui antipáticos, e isso vale para o adversário. Surge assim uma preocupação social na educação – de formação crítica e cidadã do aluno. Como Fernanda Sobral (2000), Professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, cita em seu excelente artigo Educação para a competitividade ou para a cidadania social? à respeito da presença gladiadora, mas ao mesmo tempo inevitavelmente convivente das realidades competitivas e sociais dessas visões educacionais:

“Ou seja, a educação é importante para o país enquanto condição de competitividade, no sentido de permitir a entrada no novo paradigma produtivo que é baseado, sobretudo, na dominação do conhecimento. Porém, a educação também é considerada relevante no que se refere ao seu papel de diminuição das desigualdades sociais, ou seja, como promotora de cidadania social. Dessa forma, o desenvolvimento é obtido através de uma maior competitividade dos indivíduos, das empresas e do país no mercado internacional, bem como através de uma maior participação social dos cidadãos” (SOBRAL, F. A. da F., 2000).
Apesar da vivência mútua de ambas as esferas educacionais econômica e social, a primeira vem sendo tomada, principalmente nos governos progressistas brasileiros, como principal. O desenvolvimento de um país é medido pela sua quantidade e importância monetária; então, como gera-la? Com pesquisa científica e tecnologia. Ou seja, a pesquisa básica, a que investiga padrões, comportamentos e distúrbios sociais, tais como a pobreza, a saúde mental, a injustiça penal, etc., vai perdendo espaço mútuo com a pesquisa científica/tecnológica para uma sobreposição desta em relação àquela. O jogo, portanto, passa a ser injusto. O árbitro da final Brasil e Argentina começa a apitar as faltas somente dos Hermanos que buscam tecnologia, utilidade e produtividade na educação, enquanto o país, humanamente falando, perde sua capacidade de análise e resolução social. Seguindo na analogia futebolística, um dos sintomas mais visíveis do gol argentino na nossa rede é a tentativa atual de refrear o ensino de disciplinas das Ciências Humanas, já que tal conhecimento não é visto como “útil”, ou “prático” no desenvolvimento tecnológico e econômico do país buscando a idolatria das Ciências Exatas, da Natureza e da Saúde: grandes construtoras (em termos estruturais) do mundo produtivo e comprável em que vivemos.
Portanto, não é à toa que Ignácio (1999), pesquisador dos efeitos do ensino técnico na educação, nos clareia como o Capital Humano invadiu a mente dos governadores de diversas nações a crer na inutilidade do estudo social:

“Nessa conjuntura (…) encontramos o campo onde podemos questionar as concepções e políticas de educação básica, formação técnico- profissional e processo de qualificação, requalificação e reconversão, que vêm à pauta no Brasil dos anos 90 vincadas, fortemente, por uma perspectiva produtivista. (…) Voltou-se a afirmar, então, que a inserção dos países do bloco periférico [como o Brasil] ao processo de globalização em curso somente será possível através do ajuste de seu sistema educacional, sob a nova base científica e tecnológica. Tal (des)ajuste tem suas bases políticas na educação e formação técnico-profissional para o desenvolvimento das habilidades básicas, de atitudes e valores, competências para a gestão de qualidade, para a competitividade e produtividade e, conseqüentemente, para a ‘empregabilidade’. Esta seria, uma vez mais, a exemplo do que foi a Teoria do Capital Humano na sua época, a ‘chave de ouro’ para desvendar o enigma do subdesenvolvimento e da exclusão” (Ignácio, 1999:97).

Em conclusão, ao final dos 90 minutos de jogo, podemos notar uma perigosa falta que pode comprometer o futuro de nossa nação. Já não é segredo o índice altíssimo de suicídios e doenças que afligem a mente dos estudantes. Então, não há leviandade, no meu ponto de vista, em associar tal desordem à presença excessiva de cobrança de qualidade profissional nas universidades brasileiras. Como podemos ver em matérias jornalísticas (como a deixada nas Referências bibliográficas, do Estadão), os cursos que mais são demandados formação técnica e profissional, como medicina e engenharia, são os que mais necessitam reforço terapêutico e psiquiátrico para os estudantes. Há, portanto, a necessidade de apitar o final do jogo e analisar se essa Copa do Conhecimento é o que queremos para o futuro do Brasil. O desenvolvimento é, sim, importantíssimo, mas a que preço? Os alunos são (ou devem ser), de fato, jogadores profissionais, ou aprendizes? Devemos ser peças mecânicas de uma engrenagem progressista, ou também uma mente pensante e crítica? São questões que devem ser debatidas se quisermos manter uma sociedade sadia e equilibrada em ambos os lados da torcida.

Referências bibliográficas: 

DURKHEIM, E. Educação e Sociologia. São Paulo, Edições Melhoramentos, 1975. ESTADÃO. Aumento de transtornos mentais entre jovens preocupa universidades.
Disponível    em:    <https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,aumento-de-transtornos- mentais-entre-jovens-preocupa-universidades,70002003562>. Acesso em: 05 jul. 2018.

IGNÁCIO, P.C. de S. Educação e ensino técnico. Universidade e Sociedade, v.9, n.19, maio/agosto 1999.
MELLO, G.N. Cidadania e competitividade. São Paulo, Cortez Editora, 1998. SCHULTZ, T. O capital humano. Rio de Janeiro, Zahar, 1973.
SOBRAL, F.A. da F. Educação para a competitividade ou para a cidadania social?
São Paulo, SciELO, 2000.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

A CULTURA NA EDUCAÇÃO: CONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE                                                                    ...