QUEM GANHA A CORRIDA DA EDUCAÇÃO? UMA ANÁLISE DA "COPA DO MUNDO" DO CONHECIMENTO
Rafael Carvalho Falleiros
A educação vem sofrendo mudanças
vertiginosas desde a sua concepção formalizada. Com a chegada da Revolução
Industrial e de diversos governos ditatoriais que buscavam o desenvolvimento
elevado de suas nações, o mundo recém-globalizado passou a conhecer uma nova maneira
de se aprender e de se ensinar:
o de “ganhar o jogo” mercadológico. Assim como uma partida de final na Copa do Mundo de Futebol, os livros
passaram a ser as estratégias mais valiosas para o gol tão sonhado;
as técnicas se tornaram
o principal arsenal de driblar a concorrência pelo diploma; e a bola se
transformou no relógio do hipnólogo, contando o fim da linha de chegada para os
que foram mais fortes e conseguiram chutar a bola ao gol. Nessa análise,
portanto, veremos um pouco sobre como a competitividade educacional está
dominando a mentalidade estudantil, e como a formação social e crítica está
perdendo lugar para discursos de cunho corporativo e qualitativo profissionais
e afetando a vida e mente dos jovens estudantes.
Como
comentado anteriormente, as revoluções tecnológicas e as novas demandas
globalizadas de profissionais multifuncionais e extra capacitados, criaram uma
nova necessidade educacional. Seguindo essa linha, diversos estudos econômicos
passaram a sobrevoar a educação. Um dos maiores teóricos dessa Economia da
Educação foi Theodore Schultz (1973), um famoso economista, prêmio Nobel na
área por trazer o conceito de Capital Humano. Segundo o pesquisador, o novo
modo de produção que surgia com o mundo globalizado parecia necessitar de um elemento
à mais, além de mão- de-obra e matéria prima;
um terceiro fio condutor de uma maior
mobilidade econômica – de maior humanidade. Daí surge o
conceito de Capital Humano, uma área até então não considerada pelas grandes
corporações como vantajosa de se investir. Passa-se, então, a criar uma nova
mentalidade: a produtividade, a qualificação da mão-de-obra e o bem- estar
humano empresarial hão de ser o foco da nova indústria. O mundo, para
desenvolver-se, precisa ser técnico e especializado. E, claro, tal perspectiva
não escapou de invadir o pensamento de alguns educadores ao redor do mundo.
Entretanto, é importante destacar
também que, como toda boa história, e como toda boa partida de futebol (para
não escaparmos do subtema Copa do Mundo), há dois lados nessa moeda. Um time sempre
possui torcedores, como também possui
antipáticos, e isso vale para o adversário. Surge assim uma preocupação
social na educação – de formação crítica e cidadã do aluno. Como Fernanda
Sobral (2000), Professora do Departamento de Sociologia da Universidade de
Brasília, cita em seu excelente artigo Educação
para a competitividade ou para a cidadania social? à respeito da presença
gladiadora, mas ao mesmo tempo inevitavelmente convivente das realidades competitivas e sociais dessas visões educacionais:
“Ou
seja, a educação é importante para o país enquanto condição de competitividade, no sentido de permitir a entrada no novo paradigma produtivo que é baseado,
sobretudo, na dominação
do conhecimento. Porém,
a educação também é
considerada relevante no que se refere ao seu papel de diminuição das desigualdades sociais, ou seja, como promotora
de cidadania social.
Dessa forma, o desenvolvimento é obtido através de uma maior
competitividade dos indivíduos, das empresas e do país no mercado
internacional, bem como através de uma maior participação social dos cidadãos”
(SOBRAL, F. A. da F., 2000).
Apesar da vivência mútua de ambas as
esferas educacionais econômica e social, a primeira vem sendo tomada,
principalmente nos governos progressistas brasileiros, como principal. O
desenvolvimento de um país é medido pela sua quantidade e importância
monetária; então, como gera-la? Com pesquisa científica e tecnologia. Ou seja, a pesquisa básica,
a que investiga padrões, comportamentos e distúrbios sociais,
tais como a pobreza, a saúde mental, a injustiça penal, etc., vai
perdendo espaço mútuo com a pesquisa científica/tecnológica para uma sobreposição desta em relação
àquela. O jogo, portanto, passa a ser injusto. O árbitro da final Brasil
e Argentina começa a apitar as faltas somente dos Hermanos que buscam tecnologia, utilidade e produtividade na
educação, enquanto o país, humanamente falando, perde sua capacidade de análise
e resolução social. Seguindo na analogia futebolística, um dos sintomas
mais visíveis do gol argentino na nossa rede é a tentativa atual de refrear
o ensino de disciplinas das Ciências Humanas, já que tal conhecimento não é
visto como “útil”, ou “prático” no desenvolvimento tecnológico e econômico do país – buscando a idolatria das Ciências Exatas,
da Natureza e da Saúde:
grandes construtoras (em termos estruturais) do mundo produtivo e comprável em
que vivemos.
Portanto, não é à toa que Ignácio (1999),
pesquisador dos efeitos
do ensino técnico na educação, nos clareia como o
Capital Humano invadiu a mente dos governadores de diversas nações a crer na
inutilidade do estudo social:
“Nessa
conjuntura (…) encontramos o campo onde podemos questionar as concepções e
políticas de educação básica, formação técnico- profissional e processo de qualificação, requalificação e reconversão, que vêm
à pauta no Brasil dos anos 90 vincadas, fortemente, por uma perspectiva
produtivista. (…) Voltou-se a afirmar, então, que a inserção dos países do
bloco periférico [como
o Brasil] ao processo de globalização em curso somente será possível através do ajuste de seu sistema
educacional, sob a nova base científica e tecnológica. Tal (des)ajuste tem suas bases
políticas na educação
e formação técnico-profissional para o desenvolvimento das habilidades básicas, de atitudes e valores,
competências para a gestão de qualidade, para a competitividade e produtividade
e, conseqüentemente, para a ‘empregabilidade’.
Esta seria, uma vez mais, a exemplo
do que foi a Teoria
do Capital Humano na sua época, a ‘chave de ouro’ para desvendar o
enigma do subdesenvolvimento e da exclusão” (Ignácio, 1999:97).
Em conclusão, ao final dos 90 minutos
de jogo, podemos
notar uma perigosa
falta que pode comprometer o futuro de nossa nação. Já não é segredo o
índice altíssimo de suicídios e doenças que afligem a mente dos estudantes.
Então, não há leviandade, no meu ponto de vista, em associar tal desordem à
presença excessiva de cobrança de qualidade profissional nas universidades
brasileiras. Como podemos ver em matérias jornalísticas (como a deixada nas
Referências bibliográficas, do Estadão), os cursos que mais são demandados
formação técnica e profissional, como medicina e engenharia, são os que mais necessitam reforço terapêutico e psiquiátrico para os estudantes. Há, portanto, a
necessidade de apitar o final do jogo e analisar se essa Copa do Conhecimento é
o que queremos para o futuro do Brasil. O desenvolvimento é, sim, importantíssimo, mas a que preço? Os alunos são (ou devem ser),
de fato, jogadores profissionais, ou aprendizes? Devemos ser peças mecânicas de
uma engrenagem progressista, ou também uma mente pensante e crítica? São
questões que devem ser debatidas se quisermos manter uma sociedade sadia e
equilibrada em ambos os lados da torcida.
Referências bibliográficas:
DURKHEIM, E. Educação e Sociologia. São Paulo,
Edições Melhoramentos, 1975. ESTADÃO. Aumento
de transtornos mentais entre jovens preocupa universidades.
Disponível em: <https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,aumento-de-transtornos-
mentais-entre-jovens-preocupa-universidades,70002003562>. Acesso em: 05 jul. 2018.
IGNÁCIO,
P.C. de S. Educação e ensino técnico.
Universidade e Sociedade, v.9, n.19, maio/agosto 1999.
MELLO, G.N.
Cidadania e competitividade. São
Paulo, Cortez Editora, 1998. SCHULTZ, T. O
capital humano. Rio de Janeiro, Zahar, 1973.
SOBRAL,
F.A. da F. Educação para a
competitividade ou para a cidadania social?
São Paulo, SciELO,
2000.
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