terça-feira, 11 de junho de 2019

AS MINORIAS LINGUÍSTICAS E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA: UM DEBATE ENTRE A LEGISLAÇÃO VIGENTE E A PRÁTICA PEDAGÓGICA 

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                                                                           Micael Filipe Ribeiro de Lima 

Muito se discute a respeito da igualdade da educação para todos, os mecanismos legais, seja por meio da constituição, seja por meio de leis ou decretos garantem tal direito para todos os residentes do país. No entanto, a realidade educacional brasileira nos mostra que tal legislação se torna frágil no ponto de vista prático, visto que segmentos da sociedade têm seus direitos negados, apesar da legislação determinar o contrário.
Nesse sentido, tenho como intuito apresentar breves considerações a cerca da realidade educacional do ponto de vista legal e pedagógico de três minorias linguísticas, a saber: refugiados, povos indígenas e Surdos.   Em seu notório artigo 5º, a constituição brasileira institui que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade[...]” (Brasil, 1988). Pontuo aqui o direito à igualdade a todos os residentes no país, uma vez que a carta magna garante tal prerrogativa, quais são os mecanismos legais que garantem essa igualdade do ponto de vista da educação pra as minorias linguísticas? Listo alguns deles a seguir.
No que diz respeito aos refugiados, a lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, em seu artigo 44 esclarece que “[..] o ingresso em instituições acadêmicas de todos os níveis deverão ser facilitados, levando-se em consideração a situação desfavorável vivenciada pelos refugiados.” (Brasil, 1997). Assim como a lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, em seu artigo 3º inciso X garante o “direito à educação pública, vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória” (Brasil, 2017).
Durante os últimos anos tem sido notado um numero crescente de matriculas de estudantes refugiados ou imigrantes nas escolas brasileiras, segundo levantamento feito pelo instituto Unibanco baseado no censo escolar de 2016, esse número chega a quase 73 mil. Conforme explicitado anteriormente, a legislação é clara quanto ao direito desses indivíduos, no entanto, estaria o Brasil preparado para lidar com tal especificidade de ensino? Estariam nossos professores preparados para lidar de forma correta com os embates, estranhamentos culturais e processos de aculturação dos alunos?
Em relação aos povos indígenas, a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação brasileira estabelece em seu artigo 32 parágrafo 3º que “O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.” (Brasil, 1996). Assim como em seu artigo 78 assegura que “O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas[..]” (Brasil, 1996).
Assim como no caso dos refugiados, a legislação no que diz respeito aos povos indígenas é enfática em garantir a autonomia ao seu processo de ensino-aprendizagem. Apesar disso, o que se observa ao se tentar implementar uma escola indígena é a falta de flexibilidade quanto ao currículo escolar e a deslegitimação dos conhecimentos indígenas em detrimento dos conhecimentos dos não-indígenas. (D’Angelis, 2006).
Por fim, a legislação que apara a educação voltada para a comunidade Surda, determina por meio da lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 em seu artigo 4º que:

o sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente. (BRASIL, 2002).

Bem como o capítulo IV do decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, esclarece uma série de direitos educacionais a as pessoas Surdas:

Art. 22.  As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de:   I - escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental;
        II - escolas bilíngües ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade lingüística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa.
        § 1o  São denominadas escolas ou classes de educação bilíngüe aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.
        § 2o  Os alunos têm o direito à escolarização em um turno diferenciado ao do atendimento educacional especializado para o desenvolvimento de complementação curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de informação.
        § 3o  As mudanças decorrentes da implementação dos incisos I e II implicam a formalização, pelos pais e pelos próprios alunos, de sua opção ou preferência pela educação sem o uso de Libras.
        § 4o  O disposto no § 2o deste artigo deve ser garantido também para os alunos não usuários da Libras.
        Art. 23.  As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação.
        § 1o  Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade lingüística do aluno surdo.
        § 2o  As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação. (BRASIL, 2005)

Do ponto de vista pedagógico, a realidade costuma ser diferente do que é previsto em lei. Por muitas vezes, o aluno Surdo é integrado a uma turma de alunos não-surdos com o apoio de interprestes, sem que estratégias de ensino bilíngue sejam implementadas. O que impossibilita o pleno desenvolvimento de saberes e identidades culturais em ambas as línguas e ainda contribui para a segregação desses alunos na sala de aula. Porém ainda há um outro agravante, pelo fato de o ensino não ser plenamente bilíngue, os alunos Surdos não desenvolvem plenamente a LIBRAS. Uma vez que o ensino é pautado apenas por meio da tradução entre português e LIBRAS e vice-versa, o aprendizado de LIBRAS é tratado de maneira secundária. (Moura, Freire, Felix, 2017).
A discussão aqui proposta teve apenas a pretensão de pontuar uma pequena parcela dessa dicotomia entre legislação e a realidade da pratica pedagógica. Dessa forma, considerando o que foi exposto, é importante destacar que no quesito legal, o Brasil tem uma vasta legislação que compreende diversos pontos relativos às minorias linguísticas aqui tratadas. No entanto, a forma como esse aparato legal é operacionalizado – quando é operacionalizado – acaba por deixar esses grupos desamparados ou amparados de forma não adequada. Portanto, o que se deve ser discutido a partir dessa perspectiva, são maneiras de preencher essas lacunas que impossibilitam o atendimento dessas minorias na forma que a legislação prevê.

Referências
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
BRASIL. Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9474.htm>
BRASIL. Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm>
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm>
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm>
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005.  Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>
D’ANGELIS, W.R. Contra a ditadura da escola. In: GRUPIONI, L. D. B (Org.). Formação de professores indígenas: representado trajetórias. Brasília: SECADI, 2006.
DINO. A crise de refugiados e a educação infantil. Terra, [S. l.], p. 1-1, 23 mar. 2018. Disponível em <https://www.terra.com.br/noticias/dino/a-crise-de-refugiados-e-a-educacao-infantil,ca1f2f3a91b26cca4592ef404922cec2zggj3osa.html>
FREIRE, L.F. MOURA, A.A. FELIX, N.M, Escolas Bilingues para surdos no Brasil: uma luta a ser conquistada. Revista online de Política e Gestão Educacional, v.21, n. esp.2, p. 1283-1295, nov. 2017. 

Um comentário:

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