RAÇA COMO FATOR DETERMINANTE NO PROCESSO DE PRECARIEDADE DO ENSINO PÚBLICO BRASILEIRO
Os últimos 30 anos foram palco do mais
massivo investimento em democratização do acesso à educação da história do
Brasil. A constituição cidadã, democrática e idealista, foi promulgada no intuito de abranger todas as múltiplas
realidades que habitam nosso país. Porém,
sabemos que todos os avanços não chegaram perto de resolver a enorme desigualdade histórica que a organização da
sociedade brasileira deixou no presente. A última pesquisa do IBGE mostra que a taxa de analfabetismo
entre as pessoas pretas ou pardas (9,9%) foi mais do que o dobro do que entre as pessoas
brancas (4,2%) de acordo com os dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Educação, divulgados dia 21 de
dezembro de 2017. Os dados da Unicef
sobre abandono escolar mostram que mais de um milhão de crianças e
adolescentes, entre 6 e 14 anos, encontram-se trabalhando no Brasil, e dessas 34,60% são brancas e 64,78% negras.
No que tange o nível superior, em 2015, segundo o IBGE, 12,8% dos negros entre
18 e 24 anos conseguiram cursar esse nível de escolaridade, comparados aos
26,5% da população branca presente no mesmo nível de escolaridade.
A história das reivindicações acerca de
uma educação gratuita e de qualidade no Brasil são protagonizadas muitas vezes
pelo movimento negro brasileiro, uma vez que suas entidades, fundadas desde o
início da república, tinham como princípio fundamental a educação como possibilidade
de emancipação da população negra. A realidade desigual pós-escravidão forçou o movimento negro a tomar as
rédeas do processo de educação da população negra e marginalizada, uma vez que
o estado insistia no abandono e na exclusão dessa grande parcela da sociedade
na plenitude da cidadania, em todos seus aspectos. Como declara a primeira edição do jornal militante Clarim
d’Alvorada, do militante Corrêa Leite:
“Em quarenta anos de liberdade, além do grande
desamparo que foi dado aos nossos maiores, temos de revelar com paciência, a
negação de certos direitos que nos assistem, como legítimos filhos da grande
pátria do cruzeiro. Se os conspícuos patriotas desta República não cuidaram da
educação do negro, nosso congresso tratará desse máximo problema que está
latente na questão nacional” (Clarim d’Alvorada, 07/04/1929, p. 1).
Pensando a história de exclusão que a
população negra foi imposta, e pensando que ainda hoje negros e pardos
constituem a maior parte da sociedade multiétnica do Brasil, é muito difícil desvencilhar a atual e
conhecida precariedade do ensino público do interesse secular das elites locais
em privar a classe mais pobre e historicamente explorada das ferramentas de
emancipação que necessitam para sair dessa posição de subalternidade na
organização social e econômica do país. A PEC 55, do teto de gastos sobre educação,
saúde e serviços sociais, e a lei 13.415/2017, conhecida como reforma do ensino
médio, que altera os conteúdos obrigatórios dos três anos, além de propôr
ensino integral e nível técnico integrado ao ensino médio, são claramente
medidas que atacam o acesso à educação e a permanência na mesma da parcela mais
pobre da população, que mais depende dos serviços gratuitos, e que atacam
a história secular do movimento negro e todas as conquistas nas quais ele foi
protagonista e vanguardista em sua atuação militante.
A educação que queremos é uma educação
que seja plural e democrática não só no seu acesso, mas também na qualidade do
ensino prestado, observando como a multiculturalidade brasileira deve ser
respeitada e abordada dentro de sala de aula. Precisamos manter nossas crianças negras
na escola, e precisamos ensiná-las a verdadeira história de seu país, o passado
de exploração e as consequências tão marcantes que ainda se perpetuam na
configuração social do Brasil. Nossa desigualdade é fabricada, por meio da
exploração da classe pobre, e negar o acesso à educação é uma das maneiras mais
eficientes de efetuar a manutenção desse ciclo de desigualdade que assola a
história das ex-colônias escravistas americanas. A história mostra que uma
sociedade que não aprende com os erros do
passado tem fortes chances de repeti-los no futuro.
Referências:
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27, n. 1. 2011
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em: 29/11/2018
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