SOBRE POSSIBILIDADES NA UNIVERSIDADE: DA SOLIDÃO E SOFRIMENTO À INCLUSÃO E ACOLHIMENTO NO AMBIENTE ACADÊMICO
Thaís Feiten Motta
“Ser uma universidade inovadora e inclusiva, comprometida com
as finalidades essenciais de ensino, pesquisa e extensão, integradas para a formação
de cidadãs e cidadãos éticos e qualificados para o exercício profissional e
empenhados na busca de soluções democráticas para questões nacionais e
internacionais, por meio de atuação de excelência”.
Esse é o texto que
encontramos ao acessar a página onde está a missão da nossa Universidade de
Brasília (UnB), disponível em seu site oficial. Se estendermos, então, o olhar
para a nossa constituição federal, mais especificamente para o artigo 205, é
possível encontrar certa semelhança no que diz respeito ao propósito da
educação no Brasil:
"A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
O que podemos ver aqui?
No entendimento da Constituição
Federal, a educação há de ser, essencialmente, incentivada e, de fato,
promovida, para o nosso pleno desenvolvimento, para o nosso preparo ao
exercício da cidadania e para a nossa qualificação para o trabalho. Nessa mesma
perspectiva encontra-se a missão da UnB: a
formação de cidadãos e cidadãs éticos e qualificados para o exercício
profissional. Embora perceptivelmente elaborada à luz de nossa constituição
federal, é pertinente observarmos que na dita missão não consta o nosso pleno desenvolvimento.
Em que pesem possíveis divergências nos pormenores do que seria um
desenvolvimento pleno, há de se convir que ele implica questões que vão além da
educação pelo mero repasse e prática de conteúdos, que vão além da vida
acadêmica e profissional per si.
Nesse contexto convido-nos a todos,
estudantes universitários, a fazer uma reflexão. Será que a universidade está
empenhada, ou até mesmo interessada, em colaborar para um desenvolvimento que
ultrapasse a nossa vida acadêmica, que nos veja além de detentores de força de
trabalho e de responsabilidade cidadã? Assim, dentro do que podemos contemplar
como nosso pleno desenvolvimento, chamo-lhes a atenção para algo necessário ¾
a nossa integração à comunidade acadêmica, atrelada ao nosso bem-estar emocional
em meio ao ambiente da universidade.
Ela nos segue pelos corredores,
escadarias, salas de estudo. Quando tudo o que esperamos é encontrar um rosto amigo,
olhamos para os lados e lá está ela, com a sua fria face, a solidão. E o
irônico é que a solidão não anda só. Ela traz consigo um íntimo amigo, o
sofrimento. E nesse encontro, somos nós, estudantes, que nos desencontramos de
nossos sonhos, perspectivas, ambições, esperanças.
Venturini e Goulart (2016, p.102) esquematizam
fatores que tornam o ambiente acadêmico excludente e solitário, em contraste
com um ambiente acadêmico acolhedor e inclusivo. Na perspectiva dos autores,
fatores como espírito competitivo dominante, tendência seletiva e
meritocrática, pressão excessiva que vise apenas a aumentos quantitativos de
produção científica, incentivo de aprendizagem individual em detrimento da
coletiva e social e desatenção aos problemas frustrantes e estressantes a que
se submete a comunidade acadêmica promovem um ambiente de exclusão e solidão.
De fato, não são raros os momentos em que sentimos que não nos encaixamos bem,
que não somos bons o suficiente, que estamos sozinhos e/ou que não temos amparo
dentro da universidade; menos raro, ainda, é encontrarmos colegas que se sintam
assim. Aqui estamos todos nós, mas, ao mesmo tempo, parecemos não nos ver uns
aos outros ¾
e nem sermos vistos.
Venturini e Goulart demonstram por
meio de sua pesquisa, também, que uma universidade pode se tornar acolhedora e
inclusiva quando promove, entre outros, fatores como: clima humanamente
estimulante e motivador, no qual os estudantes encontram oportunidades de
formação e que lhes permite construir ativamente suas identidades, atenção para
o papel da vida emocional e para a qualidade das relações humanas, atenção e
compreensão para situações de distúrbios psicológicos e para implementar ações
de proteção e, além disso, estímulo do fortalecimento da comunidade
universitária. Nessa perspectiva, podemos refletir que é uma possibilidade e
escolha por parte da universidade não excluir e não promover a solidão e o
sofrimento em sua comunidade; é uma possibilidade de escolha o tipo de
ambiente, de relações e de formação que propicia.
Sendo assim, é importante que a
universidade demonstre atenção e zelo pelo bem-estar de sua comunidade,
atentando-se para as suas necessidades não só acadêmicas e profissionais, mas
também relacionais, psicológicas, emocionais e de construção de sujeitos ¾
sempre considerando a formação coletiva e integrada de seus membros. Nesse
sentido, em relação a nós, estudantes, a universidade pode, por exemplo,
estimular e até mesmo solicitar tratamento mais humanizado e compreensivo de
professores para conosco, disponibilizar serviços de atendimento e
aconselhamento psicossocial, oferecer eventos, palestras e disciplinas que nos incentivem
e entusiasmem em nossa trajetória acadêmica. Pode, também, estabelecer a
criação de grupos acadêmicos para a realização de atividades extraclasse
diversas (como grupos de pintura, desenho, escultura, dança, teatro, esportes,
fotografia, música, culinária, leitura, escrita, debate, viagens, trabalho
voluntário, apoio emocional, entre tantas outras opções), que possam promover
maior integração entre nós, inclusive entre colegas de cursos diferentes, por
meio de interesses que transpassam a nossa vida puramente acadêmica e
profissional. Acima de tudo, a universidade poderá se tornar um ambiente
acolhedor, inclusivo e que oferece caminhos para um desenvolvimento pleno, não
somente a nós estudantes, mas a todos que dela fazem parte, a partir do momento
em que decidir de fato sê-lo e, então, dar voz à sua comunidade para que todas
as boas intenções e ideias possam se tornar realidades.
Referências
Bibliográficas:
BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
VENTURINI,
E.; GOULART, M. S. B. Universidade, solidão e saúde mental. Interfaces – Revista de Extensão da UFMG,
Belo Horizonte, v. 4, n. 2, p.94-115, jul./dez. 2016.
UNIVERSIDADE
DE BRASÍLIA. Missão institucional.
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