O TSUNAMI CHEGOU NA EDUCAÇÃO
Arthur Ulhôa Kurrle
Uma onda conservadora tomou conta do
Brasil. Como um tsunami, a grande maioria, se não todos os aspectos da vida
social foram atingidos com seu avanço. Essa onda carrega consigo uma nova forma
de pensar o ser humano através da ótica da competição e do desempenho. Essa
visão se baseia nos princípios do neoliberalismo, que passa a orientar as
diversas relações sociais. As instituições públicas foram as primeiras a serem
atacadas, e a educação, por ser um dos principais aparelhos ideológicos do
Estado, se tornou o alvo preferido da razão neoliberal.
O panorama é preocupante, pois
direitos estão sendo atacados e a democracia corre perigo. Na escola, as
consequências são professores silenciados, alunos incentivados a delatar
“desvios”, disciplinas ignoradas, um aumento da intolerância frente ao outro. Dessa
forma, a escola pública precisa ser defendida, mas além disso, novas práticas
pedagógicas que propiciem o diálogo precisam ser implementadas.
A crise do sistema capitalista que se
iniciou em 2008 se tornou global e contínua. A classe dominante de diversos
países, para proteger seus lucros, defenderam e incentivaram políticas neoliberais,
caracterizadas pela austeridade, privatização e flexibilização das legislações
trabalhistas, provocando o aumento da atuação do mercado e a proteção deste por
parte do Estado (FRIGOTTO, 2017). No Brasil não foi diferente, o impeachment da
presidenta Dilma Rousseff levou ao poder um governo com orientações
neoliberais, o que permitiu a emergência das reformas da previdência,
trabalhista e do ensino médio, além da pec 55/2016, que congelou o investimento
no serviço público por vinte anos. Entretanto, esse foi só o início das
mudanças que estavam por vir. Projetos de lei de caráter moralista começaram a
ser discutidos, com a promessa de “superar a crise política e moral” que
supostamente o país enfrentava. Esses projetos, somados a eleição de Jair
Bolsonaro, são a expressão de uma nova forma de pensar as relações sociais.
Para proteger e garantir a manutenção
da ordem social capitalista, a escola se torna um importante instrumento. De
acordo com Althusser, a escola é um dos principais aparelhos ideológicos do
Estado, isso significa que é através da escola que “a ideologia é realizada e
se torna dominante” (LINHARES, MESQUIDA, SOUZA, p. 1501). Dessa forma, com o objetivo
de fazer as instituições de ensino servirem aos interesses da classe dominante,
uma série de mudanças estão sendo articuladas. Para Dardot e Laval, o
neoliberalismo exige que os indivíduos se tornem sujeitos da competição e do
desempenho. Seguindo esse objetivo, o sistema educacional precisa formar alunos
com saberes práticos e técnicos. A Reforma do Ensino Médio colocou isso em
prática, valorizando as disciplinas exatas, e desobrigando o ensino de outras
matérias, como filosofia e a sociologia. Já um outro projeto em discussão no
Congresso, o Escola sem Partido, atua em um outro sentido, mas seguindo os
mesmos princípios. Se for aprovado, os professores estarão proibidos de
manifestar suas opiniões políticas. Escondido atrás do princípio da neutralidade,
o Escola sem Partido é uma tentativa de coibir qualquer posição contrária à
ideologia neoliberal. A escola se tornaria um espaço de desconfiança, onde “a
pedagogia da confiança e do diálogo crítico é substituída pelo estabelecimento
de uma nova função: estimular os alunos e seus pais a se tornarem delatores”
(FRIGOTTO, 2017).
O cenário é de incertezas. O futuro
do país e da escola é nebuloso, e não é possível prever qual o limite desse
tsunami neoliberal. Mas uma atitude se mostra urgentemente necessária, o
diálogo. A crescente competição entre os indivíduos, a desconfiança e o medo,
afastam as pessoas uma das outras, impedindo qualquer ação em coletivo. A
maneira para se superar o distanciamento, tanto em um ambiente micro como em um
macro, é a escuta, a fala e a empatia. A escola se torna um ambiente essencial
para a prática do diálogo e da empatia, através de atividades didáticas que
permitam a expressão e a troca entre os alunos. É necessário fazer um estudo e
levantar possibilidades sobre essas formas alternativas de ensino, que já estão
em prática em diversas instituições. O CAP (comunidade de aprendizagem do
Paranoá) é um exemplo. Na CAP não há salas de aulas e nem divisão por idades. O
ensino é feito junto à comunidade e o meio no qual ela está inserida. Esse tipo
de escola permite o desenvolvimento sem a competição com os demais colegas, e a
construção de uma visão de mundo mais horizontal e heterogênea.
É um sonho distante modificar todo o
sistema de ensino brasileiro para que ele se torne mais humano. Entretanto,
mesmo que individualmente, a prática da escuta e da empatia já proporciona uma
quebra da lógica neoliberal, voltada à competição e ao individualismo
exacerbado. Só assim será possível se manter firme em tempos sombrios que estão
por vir.
Bibliografia:
DARDOT, P; LAVAL, C. A
nova razão de mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. ed. Boitempo. França.
2014.
FRIGOTTO, G. A gênese das
teses do Escola sem Partido: esfinge e ovo da serpente que ameaçam a sociedade
e a educação. In. Escola “sem” Partido. ed. Laboratório de Políticas Públicas
(LPP-UERJ). Rio de Janeiro. 2017.
LINHARES, L,L; MESQUIDA, P; SOUZA, L. Althusser: a escola
como aparelho ideológico de Estado.
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